Entendendo o Livro de Levítico – Parte I

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Por Fabio Marchiori Machado

1. INTRODUÇÃO

Acredito que todo cristão tem o desejo de ler a Bíblia inteira, de Genesis a Apocalipse. É muito comum ouvirmos pessoas relatando o seu empenho nesta tarefa. E mais comum ainda é o relato desta jornada quando deparada com a “muralha” chamada Levítico. Na primeira vez que eu li a Bíblia inteira, Levítico (juntamente com Números, para fazer justiça) foi a minha grande dificuldade. Foi como se eu estivesse andando sem dificuldades por uma planície e subitamente tivesse que transpor o Monte Everest no mesmo ritmo.

Por causa desta suposta dificuldade, o livro de Levítico é, sem sombra de dúvida, um dos mais poucos explorados textos por todos os cristãos. Conhecemos as riquezas de Salmos, as histórias de Davi e Salomão, os milagres de Jesus, entre outros, mas não conhecemos uma das principais fontes de diretrizes dada por Deus, chamada Levítico.

Acredito, porém, que conhecendo um pouco dos pontos principais de Levítico, a sua leitura se torna até agradável.

O meu melhor amigo na época de adolescente, foi durante alguns anos um dos meus maiores desafetos. Se ele estivesse no lado direito do pátio da nossa escola, eu certamente estaria no lado esquerdo. Se houvesse a necessidade de um trabalho em grupo, primeiro esperava ver em que grupo ele ficaria, para depois escolher o meu e não correr o risco de ter sua “desagradável” convivência. Quero ressaltar que a antipatia era recíproca. A questão é que em um determinado momento de nossas vidas, por questões avessas a nossa vontade, fomos obrigados a conviver, um com o outro. Graças a esse convívio começamos a nos conhecer, e ver que tínhamos muito mais coisas em comum do que nossas diferenças nos impediam de enxergar. Tornamo-nos grandes amigos, e vivemos muitas coisas importantes juntos. Nossa amizade extrapolou o nosso ser, fazendo que a minha família experimentasse o mesmo nível de amizade com a sua família.

Certamente, já lhe ocorreu de não gostar de uma determinada pessoa que cruzou a sua vida, por causa de algum hábito ou coisa parecida. Entretanto, depois de você conhecê-la, passou até a gostar dela. Tenho fé que da mesma maneira, o livro de Levítico terá o conceito mudado depois deste estudo.

2. ANTES DE QUALQUER COISA

A nossa ansiedade, nossa natureza humana, manda que nós entremos de cabeça no estudo, pois nossa curiosidade é maior que tudo (espero eu!). Mas é bom conversarmos um pouco antes disto.

A primeira coisa que devemos ter em mente antes da leitura de Levítico é que ele é um livro basicamente formado por normas, mandamentos. É um dos livros da Lei de Deus. E como é um livro normativo, deve ser lido como tal. Não há mensagens simbólicas em Levítico, por mais que alguns pregadores tentem “espiritualizá-lo”. É um livro que fala de normas, conduta, ação e reação, cerimonial e etc.

Outra questão importante para ser observada antes da leitura é a temática central de Levítico. Se pudéssemos reunir em um único versículo o principal conceito do livro, sem dúvidas seria este:

Lv 11:44a
Pois eu sou o Senhor, o Deus de vocês; consagrem-se e sejam santos, porque eu sou santo.

Deus chama a atenção do homem para importância da santificação.  O termo hebraico   (qadash) e suas flexões aparecem mais de 80 vezes em todo o livro de Levítico. Qadash quer dizer “SANTO”. O texto de Levítico mostra como um pecador pode ter acesso ao Deus que é santo, e a importância de buscar santidade por pertencer a um Deus santo.

Em terceiro plano, vem a questão de como deve ser a leitura de Levítico. Certamente ele é um livro de leitura desafiadora, por ser um livro repleto de ritos de culto. Um dos grandes segredos para uma leitura prazerosa de Levítico é usar  a imaginação. Um bom caminho é ir criando mentalmente os rituais conforme vamos lendo, exagerando nos detalhes.

Por último, entender que o livro de Levítico faz parte de um conjunto, de uma obra completa, que conhecemos por Pentateuco. Para tal elucidação, faremos um apanhado geral e muito breve do que é o Pentateuco.

3. O PENTATEUCO E SUA RELAÇÃO COM LEVÍTICO

O Pentateuco são os cinco primeiros livros da Bíblia. Formam o Pentateuco os livros de Genesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. São conhecidos também como os livros da Lei, ou a Torah hebraica.

Apesar de serem cinco livros em abordagens e assuntos distintos, conseguem transmitir uma unidade sem igual nos seus textos. O Pentateuco compreende o período histórico da criação do mundo por Deus até a morte de Moisés no Monte Nebo, nas campinas de Moabe.

Os assuntos relevantes em cada livro são:

  • Gênesis – Formação do mundo e dos patriarcas de Israel.
  • Êxodo – Chamado de Moisés, libertação e a Lei Geral.
  • Levítico – Lei Sacerdotal. Manual litúrgico.
  • Números – O povo no deserto. Exortação para não perder a fé.
  • Deuteronômio – Segunda leitura da Lei

Levítico, neste contexto, funciona em alguns casos como uma regulamentação da Lei expressa nos outros livros, como o do Êxodo. É em Levítico 1-9 que os rituais do Tabernáculo são normatizados. A instituição ocorre em Ex 25-40. O sacerdócio descrito em Ex 29 tem em Lv 8-10 a liturgia de ordenação sacerdotal.

Citamos acima que o livro de Levítico é um livro da Lei, mas não é um livro de lei simplesmente. Ele é um grande manual de liturgia para o povo hebreu. Algumas pessoas se confundem e afirmam que a Lei está toda em Levítico. Isto é um grande equívoco. Basta analisarmos alguns exemplos para verificarmos que tais fatos são infundados. A lei da circuncisão está em Gn 17.9-14. A pena capital pela quebra do Shabbat (Sábado) está em Nm 15.32-36. O maior exemplo, porém, são os Dez Mandamentos que se encontram em Ex 20.2-17 e é repetido em Dt 5.6-21.

 

4. INFORMAÇÕES BÁSICAS DE LEVÍTICO

Nome do Livro – O nome Levítico é herança do título do mesmo livro na Septuaginta (Antigo Testamento traduzido para o grego) e quer dizer levitas. Os levitas eram os descendentes de Levi, filho de Jacó e Lia, que foram separados por Deus para o cuidado com trabalho religioso (culto) da nação de Israel. Existe muita confusão em relação aos levitas e ao sacerdócio. O sacerdócio foi incumbido a Arão e seus descendentes e não a todos os levitas. A confusão se dá porque Arão é descendente de Levi, mas isto não inclui os seus irmãos levitas na herança do sacerdócio.

O interessante é observarmos o nome hebraico do livro de Levítico. Em todo Pentateuco, os israelitas colocavam como nome do livro as primeiras palavras do mesmo. No caso de Levítico é “ chamou o Senhor”. E é impressionante a riqueza de entendimento que podemos ter apenas observando o nome em hebraico. Levítico é a chamada do Senhor para a santidade, serviço e adoração, base de qualquer relacionamento com Deus. O senhor chama para a santidade que só provem Dele (Lv 11.44-45)

Data – A data exata da compilação de Levítico é um tanto incerta. O certo é que ela deva ter ocorrido durante a peregrinação o povo de Israel pelo deserto, nas últimas décadas dos anos de 1.400 a.C. A confiança que temos é que foi dada a Moisés, pelo próprio Deus, na Monte Sinai, quando o povo provavelmente acampou na região por nove meses.

Autor – Como todo o Pentateuco, é comumente aceito a autoria de Moisés. O maior indicativo desta tese é a própria Palavra de Deus. Em Neemias 8.1 há a menção ao “Livro da Lei de Moisés”. Em Ne 13.1 e 2Cr 25.4, por exemplo, temos a citação de “Livro de Moisés”. No NT apresentam citações similares em Mt12.5; Mc 12.26; Lc 16.16; Jo 7.19 e Gl 3.10).

Personagem Central – A figura central do texto recai sobre a figura do Sumo Sacerdote, pois é sobre ele que incide as obrigações referentes ao culto de Israel. A relação do Sumo Sacerdote com Levítico é fundamental por se tratar de um livro que expõe de maneira muito explícita o conceito de pecado, sacrifício e expiação.

5. OS TRÊS GRANDES TEMAS DE LEVÍTICO

Já falamos acima que Levítico tem um tema central. A Santidade, de maneira geral, é o ponto chave deste livro. No entanto esta abordagem pode ser entendida através de três pilares que a sustenta.

Neste sentido, podemos observar que Deus deixa bem claro que ele se fez presente no meio do seu povo. Da mesma maneira que Ele está presente, Deus é santo e porque Ele o é, exige que o povo busque um estado de santidade. De sobremaneira, Deus mostra que apesar do homem ter a possibilidade desta busca de santidade, ele é pecador. A presença de Deus é incompatível com a presença do pecado, não há como estas duas facetas, Deus e o pecado, coexistirem em um mesmo lugar. Para solucionar tal impasse, Deus cria um sistema de expiação para este pecado. Vamos ver esta dinâmica de maneira detalhada.

a. Deus está presente.

O Senhor está presente. Ele está no meio do povo. No cap. 1.1 Ele chama Moisés na tenda da congregação. Um Deus que habita no meio do povo é algo único. É certamente uma grande dádiva. Muitos deuses da antiguidade sempre se mostraram de forma distante e cruel para com os seus adoradores. O Senhor, Iavé, concede ao seu povo estar junto deles, no Tabernáculos, na nuvem que dá sombra e na coluna de fogo que ilumina (Ex 13.21) e no maná (Ex 16.11-35).

Algumas coisas são inerentes a essa presença divina no arraial dos hebreus. A primeira delas é que existirá a necessidade de se cultuar Deus (Lv1. 2). A outra é que Deus estará presente no Santos dos Santos, local dentro do Tabernáculo para a sua habitação. O Santo dos Santos era separado do resto do Tabernáculos por um véu, que só poderia ser transposto pelo Sumo Sacerdote, uma vez por ano, no Dia da Expiação (Lv 16.17). Por último, Deus manifestava a Sua Glória no arraial através de vários atos. O principal está descrito no cap. 9.23-24, quando da ordenação do sacerdote.

b. Santidade.

Como já falamos anteriormente, o ponto central de Levítico está nos versículos 44 e 45 do capítulo 11, que diz assim:

44Pois eu sou o Senhor, o Deus de vocês; consagrem-se e sejam santos, porque eu sou santo. Não se tornem impuros com qualquer animal que se move rente ao chão. 45Eu sou o Senhor que os tirou da terra do Egito para ser o seu Deus; por isso, sejam santos, porque eu sou santo.

A grande mensagem está na expressão “…sejam santos, porque eu sou santo.”, que aparece igualmente nos dois versículos. Deus chama o povo à santidade. Ele mostra que será vital a vontade do povo em buscar esta santidade.

O texto é explícito em dizer que o alvo do povo israelita, nesta busca de santidade, deveria ser o comportamento de Deus. O padrão de santidade não é humano, mas sim aquele (padrão) que se manifesta na pessoa de Deus. O caráter de Deus tem que ser imitado.

Para a busca de santidade, Deus mostra ao povo a necessidade de se abolir falhas. Veja o texto:

Lv 1:3

 

Se o holocausto for de gado, oferecerá um macho sem defeito. Ele o apresentará à entrada da Tenda do Encontro, para que seja aceito pelo Senhor,

A perfeição é a exigência de Deus para o seu culto. De igual maneira ao holocausto, o sacerdote que apresentaria aquele ato de culto deveria ser livre de defeitos, não só pecados, mas físicos também. Veja:

 

Lv 21.17-23

17“Diga a Arão: Pelas suas gerações, nenhum dos seus descendentes que tenha algum defeito poderá aproximar-se para trazer ao seu Deus ofertas de alimento. 18Nenhum homem que tenha algum defeito poderá aproximar-se: ninguém que seja cego ou aleijado, que tenha o rosto defeituoso ou o corpo deformado; 19ninguém que tenha o pé ou a mão defeituosos, 20ou que seja corcunda ou anão, ou que tenha qualquer defeito na vista, ou que esteja com feridas purulentas ou com fluxo, ou que tenha testículos defeituosos. 21Nenhum descendente do sacerdote Arão que tenha qualquer defeito poderá aproximar-se para apresentar ao Senhor ofertas preparadas no fogo. Tem defeito; não poderá aproximar-se para trazê-las ao seu Deus. 22Poderá comer o alimento santíssimo de seu Deus, e também o alimento santo; 23contudo, por causa do seu defeito, não se aproximará do véu nem do altar, para que não profane o meu santuário. Eu sou o Senhor, que os santifico”.

Além da perfeição física, era exigida a mais importante característica da santidade exigida ao hebreu. A santidade moral. Várias normas de conduta são estabelecidas por Deus. Destaque aqui para o código de pureza sexual em Lv 18.  Na lista de comportamento condenáveis estão o incesto (v.6-18), adultério (v.20), a homossexualidade (v.22) e a bestialidade, ou zoofilia (sexo com animais – v.23).

Um romper de águas na época de Levítico foi o código de ética em Lv 19.18.

c. Expiação.

Deus não habita onde existe pecado. Ele ama o pecador, mas é intolerante ao pecado. Imbuído de promover santidade para o povo, Deus estabelece uma série de maneira de livrar o povo do fruto do pecado (Rm 6.23) através de sacrifícios. Existem basicamente cinco tipos de sacrifícios descritos no livro de Levítico, que estão distribuídos nos sete primeiros capítulos. São eles[1]:

1º.   HOLOCAUSTO

Levítico 1 – Era a típica oferta hebraica, predominante ao longo de toda a história do Antigo Testamento e provavelmente a forma mais antiga de sacrifício de compensação. O termo descreve uma “oferta de ascensão” ou uma oferta que sobe. O animal era completamente queimado no altar, e a fumaça subia em direção aos céus. Levítico exigia que o animal fosse um macho sem manchas. Vários animais eram permitidos, de acordo com as possibilidades financeiras.

2º.   OFERTA DE CEREAL

Levítico 2 – Originalmente, é possível que fosse um “presente”, pois exatamente isso que o termo significa. Nas regras de Levítico, o cereal tinha um significado compensatório. Ele freqüentemente acompanhava os sacrifícios queimados e as ofertas pacíficas. Provavelmente servia como um tipo mais barato de sacrifício queimado para aqueles que não podiam dispor de um animal

3º.   OFERTA Pacifica

Levítico 3 – Era a forma básica de sacrifício trazida nos dias de festa. Era uma oferta comemorativa, consumida pelas pessoas. Era freqüentemente apresentada junto aos sacrifícios queimados, que eram consumidos por Deus. Ao que parece, não era compensatória, mas estava ligada a restauração e reconciliação. Tinha três subtipos: sacrifício de ação de graças, sacrifício prometido e sacrifício de espontânea vontade.

4º.   SACRIFÍCÍO DE PECADO

Levítico 4.1-5.13 – Era compensatório por uma ofensa contra Deus. Enfatizava o ato de purificação. Envolvia profanação cerimonial, engano, apropriação indevida e sedução. Variava de acordo com quatro classes de indivíduos: sacerdote, congregação, governante ou individuo do povo.

5º.   SACRIFÍCIO DE CULPA

Levítico 5.14-6.7 – Era uma subcategoria do sacrifício de pecado. Compensatório, porem dedicado a restituição e reparação. Geralmente tratava de profanação de artigos sagrados e violações de natureza social.

Neste contexto, temos um personagem principal. O sacerdote. Vemos nos capítulos de 8-10 e 21-22 as disposições referentes ao seu ofício. O sacrifício só poderia ser realizado através deles, na maioria dos casos através do Sumo Sacerdote. Outro ponto fundamental na expiação são as festas, como veremos mais a frente.

Fim da primeira parte.

 

Veja a segunda parte em Entendendo o Livro de Levítico – Parte II – Clique Aqui


[1] ARNOLD, Bill T. Descobrindo o Antigo Testamento. São Paulo: Ed Cultura Cristã, 2001. p.120

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