O paulistano Carlos Araujo, de 59 anos, passou o último quarto de século reescrevendo a Bíblia. Em forma de quadros. Pintor desde os 13, ele criou mais de 1.200 telas – de até 6 metros de altura – que contam o livro, da Gênese ao Apocalipse. São retratadas as passagens do Velho e do Novo Testamento, como quando Deus diz “Façamos o homem”, o Dilúvio e o nascimento de Jesus. A obra virou um livro de 700 páginas (com tiragem de 3 mil exemplares, foi vendido a R$ 2 mil e não está mais nas livrarias) e ganhou exposições em Nova York, Florença e na Basílica de São Paulo Fora dos Muros, em Roma. Na quinta-feira, a série estreia na capital paulista em mostra com cerca de 20 telas, no Museu Brasileiro de Escultura (MuBe), nos Jardins.
“Uso meu trabalho para despertar, em cristãos, budistas, ateus e em qualquer outro ser humano a mensagem divina de amar e cuidar do próximo”, afirma Araujo. “Com meu talento, faço o bem e sou instrumento de Deus.” O pintor, porém, nem sempre foi tão dedicado a essa vocação que denomina como “religiosa” e “espiritual”. “Antes, tinha desejos materiais e seguia os hormônios. Só queria fazer sucesso.”
Apesar de católico desde criança, Araujo não era praticante. Nascido no Hospital Pro Matre, na região da Avenida Paulista, ele cresceu em Perdizes e na Vila Buarque. Quando pequeno, pintava com qualquer material que encontrasse. “Instalei-me na garagem de casa para ter mais espaço para criar”, lembra. A veia artística do garoto ficava explícita até na decoração do espaço: no teto, o menino pendurou duas bicicletas velhas, para deixar o ambiente com o aspecto de um quadro.
Sucesso. Introvertido e autodidata, Araujo passava o dia pintando e sonhava ter fama e se dedicar à arte. “Perdia carnavais para desenhar telas”, recorda. Seu primeiro quadro catalogado, Alegoria ao Carnaval, data de 1963.
Mas ele tinha receio de não conseguir uma boa renda com a vida de artista e, por influência do pai, formou-se em Engenharia na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Não teve, porém, de se dedicar à profissão.
Aos 20 anos, foi descoberto por Pietro Maria Bardi, então diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Três anos depois, apresentou sua primeira exposição individual, no espaço comandado por Bardi.
Com um trabalho que tende ao figurativo e ao abstrato, o paulistano focava principalmente questões sociais. “Percorri o Brasil pintando cenas tristes, como a de uma mãe que dava o leite de seu peito à avó por falta de alimento”, diz. Suas telas foram expostas na França, onde morou, no Panamá, na Suíça, na Argentina e nos Estados Unidos.
Conversão. Em 1985, enquanto morava na capital francesa, Araujo foi convidado pela editora Arianne Lancell a realizar o penúltimo capítulo de uma série de livros religiosos – o catalão Salvador Dalí fez duas das obras da saga. Ao paulistano, coube retratar o texto do Apocalipse.
“Entrei em depressão ao ler esse trecho”, relata. “Notei que havia homens na luz e outros na escuridão. E todos seriam julgados.” Ele pensava estar nas trevas, com seus desejos de crescimento e conquistas materiais. Durante dois anos, isolou-se em uma casa no Morumbi, onde morava com dois de seus quatro irmãos. “Tinha visões e delirava”, conta. Ele recorreu a métodos como terapia e acupuntura. “Mas continuava infeliz e perdido, sem vontade de pintar ou de sair de meu quarto.”
Araujo afirma ter se encontrado somente quando passou a ler e tentar compreender a Bíblia. “Aí, tudo ficou claro”, diz. Foi então que ele começou a pintar o livro sagrado. “Faço sem dificuldades.” Para ter inspiração, ele ouve músicas evangélicas, lê passagens e tem imagens de Jesus em seu ateliê de cerca de 500 metros quadrados no Morumbi, bairro onde também mora com a mulher e os quatro filhos.
As telas do paulistano custam até R$ 100 mil. “Vendi entre 10% e 20% da coleção da Bíblia”, afirma. Os principais compradores são colecionadores, mas há obras também em museus da França e no Vaticano. “Sonho em ter meu acervo em locais abertos para democratizar minha mensagem.”
Fonte: Filipe Vilicic – O Estadao de S.Paulo